A morte nos faz cair em seu alçapão, / É uma mão que nos agarra / E nunca mais nos solta. / A morte para todos faz capa escura, / E faz da terra uma toalha; / Sem distinção ela nos serve, / Põe os segredos a descoberto, / A morte liberta o escravo, / A morte submete rei e papa / E paga a cada um seu salário, / E devolve ao pobre o que ele perde / E toma do rico o que ele abocanha.
(Hélinand de Froidmont. Os Versos da Morte. Poema do século XII. São Paulo : Ateliê Editorial / Editora Imaginário, 1996. 50, vv. 361-372)

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Alunos de Ensino Médio fazem aula de campo em antigo cemitério de São Mateus (ES).

Alunos dos terceiros anos do Ensino Médio da Escola Estadual “Dom Daniel Comboni”, localizada em Nova Venécia, quebrando tabus e preconceitos, fizeram uma aula de campo no mais antigo cemitério, em funcionamento, no norte do estado do Espírito Santo.

Foto 01 – Aluna do 3º Ano da EEEM “Dom Daniel Comboni”, observa túmulos e escultura durante aula de campo no Cemitério Central de São Mateus. Foto: Rogério Piva. Data: 27/07/2012.



Por Rogério Frigerio Piva*



Para muitos, cemitérios são locais de tristeza e dor, locais proibidos envoltos em preconceito e misticismo, ou apenas, locais de descarte de cadáveres humanos. Mas não foi com essa visão que alunos das turmas 3º V1 e 3º V2 da EEEM “Dom Daniel Comboni” fizeram sua aula de campo no dia 27 de julho de 2012.

Guiados pelas professoras Ana Paula Gonçalves, de Filosofia, e Charlene Turini, de Geografia, os alunos participaram da aula de campo que integra o Projeto Vale do Cricaré, projeto este, que está sendo executado pelos professores da área de Ciências Humanas da referida escola.

Neste sentido, ao levar os alunos para conhecer locais de referência histórica no município de São Mateus, a professora Ana Paula Gonçalves, destacou uma aula inédita, para os alunos da escola, em um cemitério, tendo como objetivo central “compreender o sentido do significado da própria existência a partir da morte”. Depois de meses de discussões filosóficas sobre o tema morte, os alunos foram a campo para visualizarem a morte por meio do cemitério.

Foto 02 – Alunos caminhando entre os túmulos do Cemitério Central em São Mateus. Foto: Rogério Piva. Data: 27/07/2012.

O local escolhido não poderia ser melhor. O antigo Cemitério Público de São Mateus, hoje mais conhecido como Cemitério Central, surgiu em fins da década de 1850, na cidade de São Mateus, na época, a principal e mais importante do norte da Província do Espírito Santo. É o mais antigo do norte do Espírito Santo ainda em funcionamento.

Tendo sofrido inúmeras reformas e ampliações, sendo a última na gestão do ex-prefeito Roberto Arnizaut Silvares (1955-1959), o cemitério ainda preserva sua estrutura original com capela, muros mortuários, gradil e portão de ferro, além de inúmeros túmulos, lápides e esculturas feitos de mármore de Carrara, na Itália, entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX. Nesta necrópole encontram-se sepultados, importantes personagens históricos do norte do Espírito Santo como, por exemplo, o Major da Guarda Nacional, Antônio Rodrigues da Cunha (1834-1893), que no crepúsculo do Império foi agraciado com o título de Barão de Aymorés. Ele foi um dos mais importantes e ricos fazendeiros da região de São Mateus, responsável pelo início da colonização do atual município de Nova Venécia.

Foto 03 – Vista da parte mais antiga do Cemitério Central, construída no século XIX. Mesmo com as sucessivas ampliações, este setor foi preservado, conservando a estrutura original do cemitério e alguns de seus ricos túmulos de mármore importado. Foto: Rogério Piva. Data: 09/07/2012.

A aula de campo no cemitério contou com a presença do professor de História e historiador Rogério Frigerio Piva, de Nova Venécia e do historiador Eliezer Ortolani Nardoto, de São Mateus, profundos conhecedores da história local e do próprio cemitério. Estes lançaram um desafio para os alunos: encontrar o suposto túmulo do Barão de Aymorés.

Dividindo-se em grupos os alunos percorreram a parte mais antiga do cemitério em busca do que acreditavam ser o mais monumental túmulo ali já erguido, porém, depois de algum tempo sem obter sucesso, o historiador Eliezer Nardoto, lhes mostrou o local de seu repouso final, como lhe foi informado pelo seu bisneto, o saudoso Dr. Eduardo Durão Cunha.

Foto 04 – Alunos, sendo observados pelo historiador Eliezer Nardoto (E) e pela professora Ana Paula Gonçalves (D), tentam descobrir o suposto “túmulo do Barão de Aymorés”. Foto: Rogério Piva. Data: 27/07/2012.

Eliezer Nardoto, explicou que o último desejo do barão seria, ao invés de sete palmos (1,5 metros) de profundidade, como ainda hoje é de costume, que fosse sepultado com quatorze palmos (3 metros), e que o local não fosse marcado, nem sequer com uma pequena lápide, e que fosse localizado entre a área que separava o “cemitério dos ricos do cemitério dos pobres” distinção entre o cemitério da Irmandade do Santíssimo Sacramento, a qual pertencia os principais membros da elite local, e o próprio Cemitério Público. Isto surpreendeu aos alunos que acreditam que por ter sido, em vida, um homem muito rico e importante, após sua morte teria sua memória lembrada por monumento majestoso.

Foto 05 – Local apontado pelo historiador Eliezer Nardoto, onde supõe-se que, sob 14 palmos de terra, repousam os restos mortais do Barão de Aymorés no Cemitério Central de São Mateus, desde o seu falecimento em 1893. Segundo seu último desejo nem uma pequena lápide deveria indicar a presença dos seus restos mortais. Foto: Rogério Piva. Data: 09/07/2012.

Guiados pelo historiador Rogério Piva, ainda conheceram outros túmulos de grandes fazendeiros que possuíram terras na região do atual município de Nova Venécia, bem como o túmulo do Dr. Antônio dos Santos Neves (1862-1946), engenheiro, responsável pela criação do Núcleo Colonial de Nova Venécia entre 1890-1895, e que deu este nome ao mesmo, mais tarde transferido ao povoado e depois município.

Foto 06 – O historiador Rogério Piva, identificando lápide no Cemitério Central de São Mateus. Foto: Ana Paula Gonçalves. Data: 27/07/2012.

Por meio da professora de Filosofia, Ana Paula Gonçalves, os alunos ficaram conhecendo a rica simbologia tumular, existente em inúmeros túmulos espalhados pelo cemitério que, além de esculturas, também guardam, em pedra, poesias em forma de sonetos que expressam a saudade dos vivos pelos mortos.

Uma aula de campo rica em Filosofia, História, Geografia, Arquitetura, Artes, Língua Portuguesa, foi o que os alunos do Ensino Médio de Nova Venécia puderam apreciar nesta inusitada visita ao cemitério, que antes de ser um lugar de tristeza e preconceito é um local rico em memória e cultura, como ficou evidente a todos.

Foto 07 – Cemitério também é arte. Escultura de anjo feita em mármore de Carrara no túmulo da D. Victoria Domingues de Moraes Rios (1838-1890) no Cemitério Central de São Mateus. Foto: Rogério Piva. Data: 09/07/2012.

Além do cemitério os alunos tiveram oportunidade de conhecer as ruínas da Igreja Velha, o Museu Diocesano, a Catedral, o centro histórico da Cidade Alta composto pelas praças São Benedito e São Mateus com suas respectivas igrejas, o Museu da Cidade de São Mateus, o sítio histórico do Porto de São Mateus, terminando a aula de campo na antiga fonte chamada de “Biquinha”.

Foto 08 – Para posteridade. Ao final da aula de campo no cemitério, as professoras, os alunos e o historiador Eliezer Nardoto, fazem pose no portão principal do Cemitério Central de São Mateus. Foto: Rogério Piva. Data: 27/07/2012.


*Rogério Frigerio Piva é natural de Nova Venécia, Graduado em História pela UFES, Professor, Historiador. Trabalhou no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, onde ocupou diversos cargos entre 1998-2008. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo – IHGES e da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais – ABEC. Mantém os blogs: Projeto Pip-Nuk (www.projetopipnuk.blogspot.com) sobre a Memória e o Patrimônio Natural e Cultural de Nova Venécia e o COEMETERIUM: Notícias e Estudos Cemiteriais (www.kimitirion.blogspot.com) e Desenvolve pesquisa sobre os antigos e extintos cemitérios no Vale do Rio Cricaré entre o final do século XIX e a 1ª metade do século XX.

Um comentário:

  1. GOSTEI...LÁ NESTE LUGAR SAGRADO EXISTEM MUITAS HISTÓRIAS PARA SE CONTAR...

    ResponderExcluir